Obras censuradas: qual é o limite da arte?

Por: Diana Ferreira

O debate sobre o que é ou não considerado arte é antigo. Há, muitas vezes, uma tensão entre a liberdade de expressão artística e a tolerância religiosa, social ou até política. Ao longo da história, muitas obras de arte têm sido silenciadas, eliminadas e censuradas, pelo que a premissa de que tudo pode ser arte é repetidamente contestada. Neste sentido, partimos à descoberta de algumas das obras mais reconhecidas mundialmente nos dias de hoje e que, outrora, viram a sua publicação censurada.

“O Dia do Juízo Final”, na Capela Sistina, no Vaticano.

O Dia do Juízo Final, de Michelangelo (1536-1541)

O teto da Capela Sistina é um dos mais emblemáticos do mundo, reconhecido por ser adornado com obras de arte extraordinárias, entre elas A Criação de Adão. Esta pintura memorável que retrata o nascimento do Homem não foi a única criação de Michelangelo na capela. Também O Dia do Juízo Final adorna os tetos da Sistina, destacando-se como uma das peças mais conhecidas apesar de ter gerado alguma controvérsia.

O Dia do Juízo Final foi pintado entre 1536 e 1541, 25 anos depois de o teto da capela estar completo. A inspiração bíblica contraposta com a nudez de todas as figuras da pintura gerou controvérsia entre a arte e a religião. Mais tarde, já após a morte de Michelangelo, pintaram-se roupas nas figuras nuas da pintura. Também a representação de símbolos do cristianismo nunca antes vistos, como Cristo sem barba e anjos sem asas, foram motivos para a rejeição desta obra.

Museu d’Orsay, em Paris ©Philippe Wojazer/Reuters

A Origem do Mundo, de Gustave Courbet (1866)

Courbet tinha por hábito pintar a nudez feminina, normalmente de modo idealista e vaidoso. Com A Origem do Mundo, o artista fez questão de representar a mulher de forma franca e arrojada, o que tornou a obra peculiar.

A representação anatómica dos órgãos genitais femininos, de forma extremamente realista, levou a que o quadro fosse categorizado como pornográfico. Isto aliado à quebra de tradição fez com que o quadro raramente fosse visto. Até mesmo no século XXI, a imagem da obra publicada no Facebook fez com que os perfis que a partilharam fossem censurados.

“Autorretrato com a Orelha Cortada” encontra-se na Courtlaud Gallery, em Londres.

Autorretrato com a orelha cortada, de Van Gogh (1888)

Considerada uma das suas últimas e mais loucas criações, supostamente pintada de uma só vez, este autorretrato revela o génio artístico que era Van Gogh. A lenda conta que o pintor holandês pintou este quadro logo após o corte na orelha, antes de ser encontrado inconsciente e a sangrar na manhã seguinte.

O médico de Van Gogh, Dr. Gatchet, considerou que este quadro era demasiado angustiante, pelo que decidiu escondê-lo na sua coleção pessoal, de modo a preservar a reputação do seu paciente. Van Gogh seria recordado pelas suas pinturas de estrelas e girassóis e não pelo dia em que alegadamente cortou a sua própria orelha. O quadro continua, até hoje, na coleção de descendentes de Dr. Gatchet e não está disponível ao público, pelo que apenas temos acesso a uma reprodução do quadro original.

“Bacchante with Infant Faun” encontra-se no The Museum of Fine Arts, em Houston

Bacchante and Infant Faun, de Frederick MacMonnies (1893-1894)

Uma mãe de dezanove anos e um bebé posaram para a obra mais popular de MacMonnies, nomeada Bacchante and Infant Faun. A versão original desta escultura foi colocada em exposição na Biblioteca Pública de Boston, causando um dos maiores escândalos na história da arte.

Bacchantes eram figuras mitológicas que serviam Baco, o “Deus do Vinho”, detalhe que está na raiz do descontentamento para com a obra por parte dos cidadãos. Os motivos para a revolta passavam pelo facto de a escultura representar o alcoolismo e a leviandade e pelo artista ter usado mesmo uma pessoa nua em vez de uma figura nua clássica.

“Aula de Violão” pertence a uma coleção privada.

Aula de Violão, de Balthus (1934)

Esta é uma das peças mais polémicas e chocantes de Balthus, que alude à pornografia e violência sexual. Na obra, a professora de guitarra usa uma menina, sua aluna, como guitarra humana.

A primeira vez que o quadro foi mostrado foi numa exposição a solo de Balthus, na Galerie Pierre, em Paris. O dono do museu achou que o quadro devia ser colocado nas traseiras e tapado, de modo a tornar-se acessível apenas para alguns visitantes privilegiados. Mais tarde, o quadro passou por várias galerias, mas não foi exposto por ser considerado um sacrilégio e obsceno, acabando por ser vendido a um colecionador desconhecido.

“The Next Great Moment In History Is Ours” (1970) encontra-se na Air de Paris, em Paris, e na Peres Projects, em Berlim.

Representações de “Ecstatic Unity”, de Dorothy Iannone (1969)

As obras de Iannone são marcadas pela representação da sexualidade e erotismo através de cores vivas. As suas peças foram removidas da exposição no Kunsthalle Bern em 1969 por serem considerados pornográficas.

A representação de figuras com aparência de extremo prazer, felicidade e órgãos genitais evidentes, levou a que a arte de Innone passasse de escandalosa a praticamente ignorada. No entanto, a artista continuou a lutar por defender a sua arte e promover o amor livre, a independência feminina, a autonomia sexual e a celebração da vida.

“Untitled” foi apresentada em frente à Universidade de Harvard.

Untitled, Ai Weiwei (2011)

Ai Weiwei, artista e ativista chinês, foca a sua arte em questões sociais, tendo sido vocal e transparente nas críticas à posição do governo chinês na democracia e nos direitos humanos.

Durante um terramoto em maio de 2008, na China, milhares de crianças morreram devido a edifícios mal estruturados e em mau estado. Este detalhe foi omitido pelo governo, que acabou por manter os nomes e o número de mortes privados. Ai Weiwei e um grupo de ativistas procuraram descobrir a identidade das vítimas e, mais tarde, o artista criou uma exposição, nomeada Untitled, com 5335 mochilas, uma para cada vítima da catástrofe natural.