Bordalo II, o artivista que dá nova vida ao desperdício

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Intitula-se “artivista” e espanta os olhares nacionais e internacionais com a sua arte feita de lixo, um lixo que a sociedade tende a ignorar. Para ele, usando o lixo como uma mensagem direta de que é preciso mudar o mundo, a natureza e os animais são veículo para uma arte difícil de explicar, mas incrível de ver. Artur Bordalo é Bordalo II e estes são os seus Big Trash Animals.

©Bordalo II

Em primeiro lugar, gostaríamos de conhecer as raízes do Artur, mais conhecido como Bordalo II. De onde surge este interesse e paixão pelas artes? Tem formação académica no ramo das artes?

Passei grande parte da minha infância a descobrir a arte através do meu avô, o pintor Real Bordalo. Além do trabalho de aguarelas mais conhecido dele, também tinha séries de trabalhos menos conhecidos, onde temáticas surrealistas e dramáticas foram exploradas, tocando em pontos preocupantes, tal como faço no meu trabalho.

Em 2007 entrei na faculdade de Belas Artes em Lisboa, mas fui expulso e nunca concluí o curso. Os três anos em que frequentei as Belas Artes permitiram-me descobrir a escultura e a experimentação com diversos materiais, o que acabou por me distanciar do meu objetivo inicial que era a pintura.

É possível ler na descrição presente no seu site que afirma pertencer “a uma geração consumista, materialista e até gananciosa”. De que forma é que este tipo de sociedade o levou pelo caminho da arte urbana?

grafitti faz parte do meu background, mas prefiro que esteja separado da minha arte. Acho que as motivações que levam um miúdo a começar a pintar na rua são algo que lhe é alheio até que um dia mais tarde reflita sobre isso. Claro que tudo isto é inconsciente quando se é miúdo, há uma vontade muito forte de expressar, mas não se sabe bem o quê nem porquê. O que me trouxe de bagagem foi o conforto em lidar com murais, com a rua e todo o ambiente exterior. Desde sempre que sou consciente dos problemas com o nosso meio ambiente. Quando criava uma obra, ela era o meu reflexo e essas questões já estavam moldadas em mim. Mais tarde, comecei a fazer experiências com lixo, explorando diferentes temáticas e composições, mas tratou-se de um percurso natural. Materializou-se com uma peça que fiz em 2013 para o Walk&Talk nos Açores.

Os seus Big Trash Animals invadem muros, prédios, túneis, carros… Qual é a grande mensagem que quer partilhar através deste seu trabalho?

Com o meu trabalho, a ideia passa por representar uma imagem da natureza, neste caso os animais, construída com aquilo que os(a) destrói — o lixo, a poluição, o desperdício e a contaminação. Os animais são a forma direta de retratar a Natureza, pois têm expressões, movimento, sentimentos e agem de uma forma que nos pode sensibilizar. Assim, são o melhor meio para pintar e modelar, quando se pretendem abordar questões ambientais.

Para mim, é fulcral ter uma palavra a dizer, tocar em pontos sensíveis e relevantes, fazer parte da consciencialização e, desta forma, fazer parte da mudança do mundo para algo melhor. É um desperdício trabalhar num espaço com visibilidade e não ter nada relevante para dizer.

Estúdio de Bordalo II em Lisboa

 

Há um alerta de “atenção ao desperdício” em todos os seus trabalhos. No lixo que a nossa sociedade tende a ignorar, o Bordalo II vê uma obra de arte à espera de nascer? Qual é o seu ponto de partida para uma obra?

É um processo muito livre, freestyle. Obtenho os materiais, corto-os em pedaço e, utilizando uma imagem ou esboço de referência, componho a peça até a transformar no que pretendo. Geralmente represento espécies autóctones em perigo ou em extinção, mas muitas vezes apelam a um problema global.

Entende o seu trabalho como uma crítica social? Uma crítica ao crescimento das cidades sem olhar à sustentabilidade?

Com certeza. Tenho de abordar pontos sensíveis, relevantes, que fazem parte da consciencialização. Arte e cultura são a base que pode mudar uma geração inteira, com todas as mensagens direcionadas para que as pessoas possam pensar sobre o que realmente interessa e eventualmente mudar algo neste Mundo.

Falando propriamente da arte em si, o Bordalo II reutiliza lixo para dar forma aos animais, pintando-os e expondo-os já em várias cidades do mundo. Consegue indicar-nos alguns dos trabalhos que lhe tenham dado um especial gosto em realizar?

A minha peça preferida é a Gift for Mother Nature, peça feita há uns anos. Não é um animal, mas foi feita com um contentor do lixo e todo o lixo que estava à volta, pela altura do Natal.

Uma que foi particularmente desafiante foi a Pelican, que foi montada num barco abandonado ao largo de Aruba. Houve momentos que parecia impossível conseguir terminar.

©Bordalo II

São várias as cidades do mundo com trabalhos seus. Temos, por exemplo, recentemente, o trabalho no motel em Las Vegas, o Wild Wild Waste. É um autêntico zoológico, com um olhar até humorístico trazido pelos animais. De que forma é que pensou esta instalação?

Neste trabalho, quis imprimir uma crítica forte à situação dos animais em cativeiro e promover a consciencialização dos danos no ambiente e animais. Por este motivo, escolhi os animais e a ideia é a do confronto, mudar consciências passo a passo e usar a arte como plataforma de comunicação.

Os seus trabalhos trazem ao de cima a sua veia de pintor, escultor, graffiter… O Bordalo II é tudo isto ou já encontrou uma melhor palavra para se definir?

Artivista!

A nossa última pergunta tem a ver com uma questão que, em Portugal, parece ser considerada normal. O nome Bordalo II saltou para a ribalta em Portugal muito depois de, internacionalmente, as suas obras serem aplaudidas. Considera isto falta de valorização? Ou falta de conhecimento pelo seu trabalho?

Sim, é verdade, não quero desvalorizar o público português por isso, mas talvez alguns media internacionais tenham estado mais atentos e assim a divulgação internacional foi mais imediata.

 

©Bordalo II